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Conto nada curto 3 - O desmancha prazeres
O Desmancha-prazeres



Jorge sentiu a gota de suor rolando pela testa. Quando atingiu seu olho, sentiu uma ardência incrível. Irritou-se com aquilo, poderia ter passado o lenço e secado aquela gota, mas nada deste mundo faria com que parasse um milésimo de segundo sequer. Nada o desviaria de seu intento. Faltava pouco. Olhou mais uma vez, checou tudo novamente. Diante de si, a primeira máquina que possibilitava a desintegração da matéria, de qualquer matéria. Acabava para a Humanidade o problema do lixo, dos restos, dos entulhos, de tudo o que houvesse necessidade de ser desestruturado. Os benefícios seriam imensos, ninguém jogaria nada nos rios, nem no ar, nem naqueles fornos crematórios.  A poluição seria extinta.
Depois de dez anos de trabalho, poderia mostrar seu invento à comunidade científica mundial. Não restava dúvida, era a descoberta do século.
Jorge reconhecia que seu invento também representava um perigo. Poderia ser usado como uma arma na desintegração de inimigos, máquinas, mísseis... Mas era um risco que deveria ser corrido. O Homem teria que conviver com isso. Era um mal necessário.
E um outro problema persistia. Jorge fizera testes com pequenos objetos. O maior não media mais que meio metro de altura e profundidade. Ele desconhecia a capacidade de desintegração da máquina usando sua força total. Será que redundaria numa reação em cadeia? Essa era uma questão que ele não calculara. Preparara demonstrações em volumes pequenos. Deixaria os grandes para a Sociedade, se assim ela quisesse.
O relógio marcava 15:48. Dentro de alguns minutos seu sobrinho irromperia pelo apartamento. Carlinhos era uma das poucas pessoas com quem Jorge conseguia ainda conviver. Nos últimos cinco anos afastou-se de todos os amigos, namoradas e candidatas a tal. Tudo em benefício de seu trabalho, da sua obra maior.
Os sacrifícios foram feitos em nome de uma causa insofismável e autêntica. A Humanidade saberia recompensar todo o seu trabalho. O Prêmio Nobel de Física daquele ano cairia em suas mãos. Os títulos de doutor "Honoris Causa" eram outras das conseqüências inevitáveis. Depois, as palestras, as conferências, as entrevistas... Ah! é claro, dinheiro, muito dinheiro... Recuperaria o tempo perdido da clausura do apartamento. Divagava, mas podia permitir-se a esses arroubos. A realidade diante de seus olhos. A máquina desintegradora de matéria era um objeto palpável, não era um sonho.
O soar da campainha do interfone cortou seus pensamentos. Atendeu. O porteiro anunciava que seu sobrinho subia ao apartamento.
Carlinhos já era íntimo, não precisava ser anunciado, muito menos bater na porta do apartamento.
Carlinhos era desembaraçado e ativo, próprio da sua idade: nove anos. Uma criança como outra qualquer, mas com um diferencial: era sobrinho de um cientista e disso fazia alarde, mesmo que não entendesse muito bem o que seu tio fazia.
Quando entrou no apartamento a primeira cosia que notou foi a máquina cintilante. O brilho emanado por ela chamou logo sua atenção.
- Oi, tio, o que é isso?
- Meu novo invento.
- Pra que serve?
A cada pergunta e resposta aproximava-se mais do seu objeto de desejo.
- Para muitas coisas.
- O que, por exemplo, tio?
- Bem...
- O que é esse botão: força total?
- Não mexa nesse botão, menino!
- Não, Carlinhos, não aponte para mim...
- E essa alavanca, tio?
- Não, Carlinhos, não levante essa al...
Roberto Bordin
Enviado por Roberto Bordin em 16/05/2007


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