Textos

O Poeta e a Musa (*)
- Queres que eu seja tua?
Disse a Musa ao Poeta
- Prove o teu amor,
faça-me uma poesia!
E ele fez...
Lindos versos
Transbordantes de amor
Carregados de paixão
Iluminados pelo luar
Banhados pelo sol
Entregou-os esperançoso
Leu-os silenciosamente
Sem um comentário
Sem uma reação
-Agora, uma música!
E ele se desdobrou
Revirou-se
Transformou-se num virtuose
Cantou à capela
A mais linda das canções
Ela ouviu atenta
Mas sem expressão
- De ti, quero um livro
Um romance tenso e denso
que fale de amores impossíveis
Debruçou-se sobre o micro
Sem parar, noite e dia
Criou o que seria "o" livro
Jamais escrito em tempo algum
Entregou ansioso, desejoso
Ela folheou a obra
Com um muxoxo, comentou:
- Um pouco grande demais!
Tenho preguiça de ler...
- Por que não me trazes flores?
Saiu a campo
Colheu com cuidado
Desculpando-se sem jeito,
Para cada flor colhida
- É para o meu amor!
Carregou-as feliz
como um rico tesouro
Levemente depositou
aos pés da Musa...
- Traga-me vinho,
Bebamos ao seu amor!
Andou o mundo
à procura do néctar
que só os deuses provaram
Serviu-o num copo de cristal
Ela olhou o leve líquido
- Parece ser bom,
Mas não tenho sede!
- Escreva uma peça!
que fale de mim
E ele escreveu...
Um longo monólogo
Endeusando-a
Elevando a Musa
à categoria de Deusa
à elite de um Anjo
Levou-a ao palco
Recitou verso por verso
Cântico por cântico
Ato por ato
De sua fala
Transbordaram flores
Encantadoras frases
Mágicas palavras
Quando a cortina fechou
Nenhum aplauso dela
Apenas a quietude
Quebrada pelo farfalhar
do longo vestido vermelho
ao sair da platéia
- Queres fazer amor comigo?
E ela recolheu-o em seu seio
Abraçou-a em desespero  
Acarinhou-a com sofreguidão
Beijou-a com lassidão
Percorreu seu corpo
Desbravou prazeres
Penetrou-a maravilhado
Face carregada de felicidade
Encontrou-a inerte
O orgasmo mútuo não passou
de um suspiro de alívio
por ele ficar prostrado
recuperando-se dos tremores
dos arrepios e das sensações
Era uma Deusa de Gelo
Rainha da Neve
Musa fria como mármore
E ele afogado no fogo da paixão
- Não adianta, nunca terás meu amor!
Tua poesia envelheceu!
Tua música se esvaiu
no último acorde
Tua peça?
Fracasso  de público!
Arrasado pela crítica!
Teu vinho azedou!
Tuas flores murcharam!
O que vou guardar de ti?
Apenas algumas lembranças!
Que se apagarão
Na próxima esquina
Ele a viu partir
Sua imagem desvaneceu
Sorriu contrafeito
Acabrunhado consigo mesmo
Sentimento de fracasso?
Dor da perda?
Sonhos desfeitos
de uma manhã de setembro?
Tristeza, só tristeza!
Tinha mais a dar
Muito mais...
E ela não quis...
Resolveu andar
Mãos no bolso
Foi furando a neblina
Mergulhando na escuridão
Olhando firme o horizonte
à procura de algo
de alguém para recomeçar...
  
(*) Um segundo subtítulo: Exorcizando meus demônios!
Roberto Bordin
Enviado por Roberto Bordin em 13/04/2007


Comentários


Imagem de cabeçalho: jenniferphoon/flickr